quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Sócrates no contexto das alternâncias sem alternativa…




O circo mediático está montado e nutre um público sequioso de um qualquer escândalo ou desgraça alheia que sirva, per si, como arma de arremesso e provocação política. As reações à detenção, e posterior prisão preventiva, de José Sócrates são prova disso. Chega a ser confrangedor ver o deleite manifesto pelos mais proeminentes fazedores de opinião que, lamentavelmente, não se mostram tão diligentes na discussão pública de temas como o tratado orçamental, o tratado transatlântico, o Orçamento de Estado para 2015 ou a reestruturação da dívida como saída para a crise. Seguimos a senda habitual, fugazes juízes em causa alheia, o drama, o escândalo, a tragédia…
É inegável que este será mais um capítulo negro da nossa história e que, independentemente do seu desenvolvimento, consubstancia todo um clima de suspeição e desconfiança que se abate sobre o regime, desde há uns tempos a esta parte, trazendo para o centro da discussão temas como: moralidade, dignidade e ética pública. Mas não é menos verdade que a atitude, que se nos exige, é a de total imparcialidade e independência fazendo jus ao princípio da presunção de inocência.      
Num campo eminentemente político é curioso ver que até na vergonha, na alegada corrupção e desgraça, o "Centrão" esgrime argumentos e faz a contagem de espingardas entre pares. Algo do género: deixa lá ver quem são os menos maus!
Mas ide “devagar com o andor pois a procissão ainda não saiu do adro”! Diz o bom senso que a atitude excessivamente critica, o “voyeurismo” e a tentativa de ridicularização da oposição, por alguns “laranjitas” assumidos ou tresmalhados, não tardará a conhecer uma forte inflexão. O ditado popular “pela boca morre o peixe”, pode assumir uma nova centralidade nos tempos mais próximos e, mais uma vez, assistiremos ao digladiar de forças entre PS/PSD/CDS de forma ainda mais vergonhosa e muito pouco honrosa para a Democracia.  
Em Portugal, o ónus da questão não reside em saber se este PS constitui ou não alternativa governativa ao PSD e CDS, o problema é sistémico. Somos hoje uma enorme manta de retalhos, "puxa-se daqui, estica-se ali e emenda-se acolá” na vã tentativa de reformar um sistema que está a desmoronar e que só na aparência (ou nem isso) pode servir os interesses dos cidadãos e das cidadãs comuns.
A corrupção, a falta de transparência na política e a promiscuidade entre os diversos poderes (político, económico e judicial) são temas recorrentes mas, por ausência de massa crítica, “seguidismo político-partidário” e/ou reduzida mobilização social, continuamos a legitimar o sistema e não ousamos sequer discutir as alternativas. Vivemos em estado de sítio mas não tiramos a máscara da brandura costumeira de que tanto nos orgulhamos.
Importa, por isso, encetar uma reflexão mais profunda na tentativa de perceber quais os impactos que estes circos mediáticos terão em termos de revolta cidadã e respetivo direcionamento para a luta social. É que por estes dias torna-se por de mais evidente a coexistência de dois países: o “Socrista, Olivença, Mendista, Ricardista…. ” e afins (era demasiado extensa a lista), a que os meios de comunicação continuam a dar o máximo protagonismo, e o país paralelo que vive mergulhado numa crise económico-social sem precedentes, sem respostas e sem fim à vista...
Portugal do Zé, da Maria e do Joaquim que lutam diariamente e com estoicismo para resistir ao rolo compressor do sistema neoliberal; o país de todos aqueles (as) que custeiam as alegadas falências da banca e os vergonhosos desvios de capital; o país dos cidadãos e cidadãs que se vêm privados dos seus direitos mais básicos como o direito ao trabalho, à saúde e à educação; o país que é esquecido ou desmerecido, a todo o instante, pelos digníssimos comentadores oficias e oficiosos cuja preocupação com o estado da Nação e dos portugueses se desvanece perante toda e qualquer oportunidade mediática.    
Foquemo-nos na discussão da sociedade e das verdadeiras opções políticas e deixemos para a justiça o que lhe compete. Como em qualquer estado de direito, esta será exercida em sede própria, com observância do respeito pela dignidade da pessoa humana e pelos direitos e liberdades fundamentais, atuando com base nos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da imparcialidade e da boa-fé. Se assim não for, se as pressões não se cingirem à celeridade da fundamentação processual, então teremos o colapso total do sistema que cremos decrépito.
Em suma, independentemente do desfecho deste caso, assola-nos a (in) certeza da mudança e a incomensurabilidade de todos os prejuízos que este processo trará para a sociedade portuguesa como um todo. Torna-se clarividente que este sistema político não nos serve e que é muito ténue a linha que separa o poder político e o económico sendo, o primeiro, permeável a manipulações grosseiras que colocam em causa todo o regime. O mero vislumbre de um sistema que hipoteticamente deu guarida a esquemas financeiros fraudulentos, com a parcimónia do governo, é algo que nos deve envergonhar e fazer despertar para todas as lutas necessárias e urgentes.   
Espero que este seja o tempo… “acorda Portugal acorda… é lutando que a vida insiste”… 

Gisela Martins

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