quinta-feira, 26 de abril de 2018

Intervenção BE - Comemorações 25 de Abril de 2018

Exma. Sra. Presidente da Assembleia Municipal
Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal
Exmos. Senhores Vereadores
Caríssimos membros da Assembleia Municipal
Exmos. Senhores Presidentes das Juntas de Freguesia e das Assembleias de Freguesia
Senhores convidados presentes
Minhas senhoras e meus senhores

"Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os estados socialistas, os estados capitalistas e o estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos!
Salgueiro Maia

O objetivo de Salgueiro Maia e dos restantes capitães de abril está também bem patente na resposta que deu a Marcelo Caetano, quando este lhe perguntou qual era o objetivo político dos revolucionários: “o nosso objetivo é tão só liberdade e democracia. O resto não é connosco mas sim com o povo.”
E o povo saiu à rua. A revolução foi feita com viaturas da segunda guerra mundial, umas sem arma, outras sem munições. Foi uma revolução “a martelo”, sem ensaio geral, uma demonstração histórica do tão lusitano ‘desenrascanso’. Tudo podia ter corrido mal, mas a sorte protege os audazes. E o regime acabou por cair de podre.
Eu não vi abril chegar. Nasceria 5 meses depois da revolução dos cravos. Na pequena aldeia onde cresci, Abril chegou devagar. A revolução não se fazia sentir no dia-a-dia das pessoas, que continuavam a trabalhar de sol a sol como se nada se tivesse passado. Mas devagar, a diferença foi-se fazendo sentir. As eleições para a Assembleia Constituinte, um ano mais tarde, foram a primeira grande mudança. Pouco a pouco, as liberdades e os direitos conquistados foram recordando ao povo que o povo é quem mais ordena. E foram recordando aos governantes no poder que o poder é efémero e só dura enquanto o povo deixar.
Passados que são 44 anos sobre esta decisão de virar o rumo da história e acabar com o estado a que tinha chegado o país, o que é que mudou? Fará sentido falar ainda nos ideais de Abril? Estarão esses ideais verdadeiramente cumpridos?
As conquistas de Abril foram muitas, mas lentas. Bem podemos argumentar que 44 anos é pouco, que esta democracia é jovem, mas a verdade é que tem sido uma democracia de avanços, recuos e inversões de marcha, conforme o partido que está no poder, apostado em desfazer o que os outros fizeram antes, para depois fazer igual… ou pior.
A classe política do pós-revolução caiu rapidamente do pedestal, e não é difícil perceber porquê.
Na opinião de Salgueiro Maia, o 25 de abril só poderia ter sido feito por militares sem aspirações políticas. Se estivéssemos à espera que a oposição ao regime se entendesse na partilha do poder, o 25 de abril nunca teria acontecido. Anos mais tarde, confessar-se-ia profundamente desiludido com o poder político do pós 25 de abril, para quem o compadrio e a corrupção pareciam ser o objetivo principal. Cito: “Os nossos políticos têm uma grande preocupação em serem bem reformados, e nula preocupação em serem bem formados.”
Cada vez mais as pessoas se afastam da política, a taxa de abstenção subiu de 8,5% em 1975 para uns preocupantes 44% em 2015 e o sentimento dominante é de descrença relativamente à classe política. Mas se quase metade dos eleitores portugueses escolhem ficar em casa na hora de votar, não se abstêm de escrutinar com atenção a actividade daqueles que não elegeram. Na televisão, nos jornais, nas redes sociais, todo e qualquer político que cai em desgraça é mais uma machadada na já tão má fama de toda a classe política. É mais do mesmo – ir votar para quê, se eles são todos iguais?
E como contrariar esta forma de pensar, se ainda há dias ouvimos na comunicação social um ex-primeiro-ministro admitir que a vaidade é a única motivação que encontrou ao longo da vida para a atividade política?
É urgente repensar a atividade política no nosso país.
Não é algo que possamos encarar com leviandade, mas sim com sentido de missão. E essa missão tem que ser recordada e refletida a cada dia, por quem a assumiu. Cada um de nós tem que fazer um exame de consciência e perguntar a si próprio como usar o seu mandato para melhorar a vida concreta dos cidadãos. Urge portanto restabelecer a confiança dos eleitores e o reconhecimento do trabalho político. Mas temos que ser nós a dar o primeiro passo, temos que ser nós a repensar as nossas motivações, e a exercer a política com menos demagogia e mais verdade, com menos hipocrisia e mais honestidade, com menos arrogância e mais humildade. E também, claro, com menos vaidade.
Desengane-se quem pensa que o problema está nos eleitores. Desengane-se quem espera que com grandes discursos, comícios e jantares consegue recuperar a confiança de quem se desencantou. Tem que começar por nós, os eleitos, e pelas nossas ações diárias. Não estamos no poder graças a um qualquer mandato divino, como os reis de antanho, mas sim porque a Maria e o Manel saíram de sua casa num Domingo e foram colocar uma cruz no boletim de voto. E nessa cruz colocaram a sua esperança numa vida melhor. Temos por isso o dever sagrado de respeitar quem nos elegeu, quem colocou essa cruz no boletim, honrando os compromissos assumidos e abstendo-nos de toda e qualquer ação que suscite sequer uma centelha de dúvida acerca da nossa integridade. Quanto mais não seja, para que nas próximas eleições a Maria e o Manel voltem a sair de casa para votar, mesmo que chova.
Tenhamos a consciência de que estamos aqui para deixar a nossa marca, para fazer o que precisa de ser feito, para transformar o que precisa de ser transformado, para deixar um rasto de esperança no futuro. Para que isso aconteça, não podemos limitar-nos a fazer bem, estamos cá para fazer O bem. Temos que despir as nossas efémeras capas de super-heróis e descer do pedestal em que nos colocámos.
Só assim devolveremos a confiança aos eleitores e combateremos a abstenção, essa que é o calcanhar de Aquiles da democracia. De cada vez que deixamos de exercer o direito de voto, deitamos por terra a oportunidade de escolher diferente. Deixamos cair em esquecimento a luta dos nossos pais e dos nossos avós por um direito que lhes foi negado durante décadas. Deixamos que se perpetue a ideia de que não há alternativa. Deixamos que os outros escolham por nós.
Desde 1974 que o poder em Portugal tem saltado entre dois grandes partidos, qual bola de pingue-pongue, e que em todas as eleições, em nome da estabilidade, pedem aos eleitores uma maioria absoluta. Uma maioria que lhes permita governar pacificamente e sem interferências. Pois bem, isso significa o quê? Será a maioria absoluta um sinal inequívoco da vontade dos eleitores? Ou será também um sinal do descontentamento de quem ficou em casa, e que assim fazendo, passa um cheque em branco a quem votou?
Nas eleições legislativas de 2015 os eleitores transmitiram-nos uma mensagem inequívoca que as coisas não podiam ficar na mesma. Nenhuma força política conseguiu a tão desejada maioria clara (já não se diz absoluta, que é feio…), o que obrigou a uma solução governativa diferente. O mesmo se passou em Espanha, obrigando a meses de negociações e à marcação de novas eleições, com resultados idênticos aos primeiros, e mais recentemente na Alemanha, onde os dois partidos do arco da governação acabaram por se coligar novamente após meses de negociações.
Ao contrário do que aconteceu nesses países, em Portugal a solução governativa encontrada apanhou de surpresa quem esperava uma coligação do “centrão” – os votos dos 56% dos eleitores não traduziram uma preferência expressa por nenhum dos partidos do arco da governação, antes pelo contrário. O aumento significativo nos votos conquistados pelos partidos mais à esquerda, relativamente às eleições de 2011, foram uma indicação clara de que o país tinha que mudar de rumo.
A solução de governo encontrada, a tão famosa geringonça, é algo inédito na democracia portuguesa e não agradou a todos, começando pela oposição que anunciou o apocalipse e acabando nas instituições europeias, que fizeram soar os alarmes de perigo de mais uma bancarrota. Esta é de facto uma geringonça, instável, apoiada em três pernas bambas, três partidos tão ideologicamente diferentes entre si, mas que conseguiram encontrar pontos comuns. Cada um deles teve que abdicar de algo, teve que sacrificar parte do seu programa político, em prol de um trabalho de equipa que obriga a negociações permanentes, puxando de um lado e cedendo do outro, e que conseguiu o que muitos julgavam ser um conto de crianças: o défice caiu, Bruxelas rendeu-se, o bicho papão não existe e a geringonça continua de pé.
E agora, para onde vamos? Ainda há tanto por fazer...
Livramo-nos da troika, mas continuamos colonizados pelo poder da ditadura económica. É uma ditadura silenciosa, mas eficiente. Empobrece sem violência, silencia sem censura, tortura sem deixar marcas.
Escondida debaixo de uma máscara de liberdade e democracia, vai-nos matando aos poucos sem que demos por isso.
Não, não podemos afirmar que estão cumpridos os ideais de abril. Como canta Sérgio Godinho, “Só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, habitação, saúde, educação. Só há liberdade a sério quando houver liberdade de mudar e decidir, quando pertencer ao povo o que o povo produzir”.
Quando pertencer ao povo o que o povo produzir… não aos bancos, não às grandes fortunas, não aos donos disto tudo!
Enquanto o salário mínimo nacional continuar aquém da média dos valores praticados na União Europeia…
Enquanto não houver trabalho digno e estável para todos e forem revertidas as alterações ao código de trabalho e devolvidos por inteiro os direitos perdidos nos anos da troika…
Enquanto não houver verdadeira igualdade laboral entre homens e mulheres, seja ela salarial ou de oportunidades…
Enquanto o abandono escolar no nosso país for dos mais altos da União Europeia…
Enquanto faltarem médicos de família e serviços de saúde de qualidade para todos…
Enquanto os nossos jovens forem forçados a emigrar, não por vontade própria mas porque não encontram no nosso país o trabalho, o acesso a bolsas de investigação ou o apoio à actividade artística de que necessitam…
Enquanto o interior do país continuar remetido para segundo plano, vendo encerradas infra-estruturas básicas e reduzido o investimento público…
Enquanto formos reféns da ditadura económica que tira aos pobres para dar aos ricos…
Enquanto não existir igualdade de oportunidades para todos e confiança na nossa capacidade coletiva para construirmos um futuro melhor...
… Abril não estará cumprido.
Saibamos por isso preservar o que nos foi dado, sejamos os filhos dessa madrugada gloriosa e continuemos a fazer florir os cravos da liberdade e da democracia. Com coragem e sentido de responsabilidade.
Sejamos dignos da memória de abril.
Termino como comecei, com uma frase de Salgueiro Maia: “Não se preocupem com o local onde sepultar o meu corpo. Preocupem-se é com aqueles que querem sepultar o que ajudei a construir.”
Viva o 25 de abril!
Viva Portugal!

Salomé Bizarro