Eles não
sabem que o sonho
é uma
constante da vida
tão concreta
e definida
como outra
coisa qualquer,
como esta
pedra cinzenta
em que me
sento e descanso,
como este
ribeiro manso
em serenos
sobressaltos,
como estes
pinheiros altos
que em verde
e oiro se agitam,
como estas
aves que gritam
em
bebedeiras de azul.
(Antonio Gedeão)
Começo por
homenagear todos os capitães de Abril assim como todos os homens e mulheres que
na surdina lutaram corajosamente e sem temor contra um regime fascista, para
que hoje possamos manifestar livremente a nossa opinião. A todos estes que
construíram a Democracia e a Liberdade depois de décadas de autoritarismo e de
ditadura, que lutaram de forma clandestina contra uma rede policial altamente
repressiva (em cada esquina
podíamos encontrar um diligente bufo da PIDE, ajudado pelos zelosos legionários
e dirigentes da Mocidade Portuguesa) direccionamos um especial agradecimento.
Portugal
durante o período ditatorial do Estado Novo era um país governado uma
oligarquia nacional opressora do seu povo, governando sob a falácia de que o
povo estava condenado ao seu fado, à sua pobreza e ruralidade e em que cada um
devia aceitar o seu lugar social como uma espécie de carma divino.
Estranho
tempo este em que proliferou uma política
colonialista, que afirmava Portugal como "um Estado pluricontinental e
multirracial"- e que manteve até ao limite das suas forças, contra todas
as indicações internacionais, conduzindo-nos à trágica guerra colonial.
Estranho
tempo este, em que o regime seguia uma política
nacionalista cuja bitola era a máxima "Estamos orgulhosamente
sós".
Vivia-se num
contexto em que:
a)
as mulheres eram
menosprezadas, entregues à sua condição de esposas e mães, sobre exploradas,
submissas à autoridade patriarcal, sujeitas às maiores violências, sem voz
própria, nem autonomia
b)
A repressão
era um constante. Todos os opositores do regime eram perseguidos, aprisionados
e torturados. Não existia liberdade de expressão e os media eram ferozmente censurados.
c)
As vagas de
emigração eram elevadas, a esperança média de vida não ultrapassava os 65 anos,
a taxa mortalidade elevada, o nível de escolaridade era baixíssimo.
d)
Os salários
eram de miséria e o acesso ao ensino superior reservado às elites.
Enfim, eramos um povo pobre, iletrado, triste, agrilhoado,
enfadado e sem esperança…
Com Abril o
país rejubilou, o povo mobilizou-se por uma causa maior, restituiu-se a
liberdade lançou-se a primeira pedra para a construção de um novo caminho… um
caminho para a democracia. Acreditou-se que era possível transformar o país,
fazê-lo mais justo e solidário, mais próspero e socialmente mais avançado.
O 25 de Abril de 1974, também conhecido como revolução dos cravos, possui
um significado que ultrapassa a mera alteração de regime político ou um ponto
de viragem no nosso percurso como país, saindo da lógica do orgulhosamente sós.
O sentido do 25 de Abril é universal e não pode ser esquecido, nele estão
contidos o direito de cidadania, de opinião, de liberdade de expressão. Com
Abril, tornou-se possível constituir partidos e associações e realizar eleições
livres, terminou a guerra colonial e os cidadãos passaram a ver garantidos os
seus direitos económicos, jurídicos e sociais que, actualmente, e para nossa
vergonha e indignação, são diariamente dilacerados.
O 25 de Abril, como qualquer revolução, foi um momento. Mas não um momento
qualquer, foi um momento em que se reuniram e vieram ao de cima as melhores
facetas da Humanidade: o altruísmo, a generosidade, a coragem, a justiça, a
cidadania, a fraternidade! O 25 de Abril simboliza a defesa máxima dos ideais
de Igualdade e Liberdade, representa a união de um povo que urge revitalizar
por forma a não permitir que se apaguem 40 anos de luta e a deixar mais um
projecto inacabado…
Não é justo para aqueles que se bateram pela liberdade, tantas vezes
arriscando a própria vida, que a geração responsável por manter viva a memória
de Abril persista em esquecer que a revolução foi um projecto de futuro e que
deve continuar a ser um sonho inspirador e um ideal para as gerações vindouras.
Pese embora as opiniões dissidentes que por vezes branqueiam, distorcem e
confundem a História do antes e do depois, o mais importante é relembrar a quem
o viveu e ensinar aos jovens, o porquê dos cravos, o porquê da festa, a razão
do dia encerrada nele mesmo, nem que seja apenas pelo facto de se poder vir
para a rua e dizer o que se pensa. Nunca esqueçamos que qualquer ditadura
começa na eliminação do pensamento, começa em nós mesmos quando nos esquecemos que
a nossa responsabilidade é lutar por manter os nossos direitos, a nossa voz.
Volvidos 40 anos da revolução nunca, tanto quanto hoje, fez sentido
relembrar os ideais de Abril porque num certo sentido este continua por
realizar ou tem vindo a ser, deliberadamente, ferido de morte. Depois de Abril
temos todos a obrigação de honrar aqueles que por nós lutaram, a obrigação de
exercer os nossos direitos de participação cívica e de dizer basta. É preciso
reunir e unir as diversas expressões dos movimentos sociais e do movimento
sindical, e voltar a conseguir uma grande mobilização nacional capaz de
travar os ataques contínuos às nossas liberdades e direitos conquistados. Temos
de nos unir em defesa da Constituição de Abril, contra um Governo de Portugal
que apela a um estado de excepção para a suspender, em nome do combate ao
défice e de acordos internacionais.
Hoje, a pretexto da crise da dívida
soberana, Portugal é refém de uma tirânica plutocracia internacional, que impõe
uma verdadeira ditadura financeira, através de empréstimos asfixiantes com
juros agiotas, garantindo aos credores rentabilidades especulativas e aos povos uma austeridade desmedida. Estamos a braços
com uma crise económica cuja gravidade não tem precedentes, temos problemas
sociais que nos envergonham: famílias no desemprego, crianças privadas de
condições de vida dignas que tomam a 1ª refeição nas escolas, 2,5 milhões de
trabalhadores que ganham o salário mínimo nacional (sendo hoje um dos países da
união europeia onde é mais elevada a proporção de trabalhadores pobres), um
fluxo migratório comparável ao que aconteceu na década de 60 (em que os jovens
não conseguem sair de casa dos pais por falta de meios e são aconselhados pelos
governantes para saírem do pais em busca do futuro que aqui lhes é negado),
reformas de miséria, a desregulamentação das leis laborais e uma justiça para
ricos e outra para pobres, uma politica de clientelismo partidário num jogo
escondido de influências, de mordomias obscenas no enriquecimento ilícito,
privilégios e isenções entre grandes empresas, a banca, escritórios de
advogados e governantes. É esta a triste realidade do nosso país que nos leva a
perguntar: o que é feito do espírito e do ideário de Abril? Como o podemos
reavivar?
Temos de
batalhar, unindo as resistências nacionais, por uma alternativa política que
promova o desenvolvimento do país, que defenda e fortaleça a Constituição
e que trave a paranóia obsessiva do défice, que nos tem conduzido a uma
política completamente cega de austeridade. Lutemos em nome do desenvolvimento
económico e do aumento dos salários, pelo emprego e pela defesa dos serviços
públicos, pela justiça social. Lutemos pela democracia e pela nossa soberania.
Lutemos conjunta e solidariamente com os outros povos europeus, em
especial os que se encontram em situações semelhantes à nossa, por soluções
alternativas que coloquem em primeiro lugar o combate ao flagelo do desemprego,
promovam políticas de crescimento económico e uma mais justa repartição da
riqueza. Lutemos por políticas cujo foco seja o bem-estar das populações e não
apenas o enriquecimento de uma ínfima minoria. Chegou a hora de mostrar aos
nossos congéneres Europeus e às instituições internacionais como o FMI, OMC e
Troika, que temos o nosso orgulho nacional, que somos um povo de palavra. Um povo
que honra os seus compromissos na totalidade, mas que esse comprometimento não
se pode sobrepor a todo e qualquer compromisso de carácter social assumido com
os cidadãos. Jamais permitiremos que a incerteza se torne um modo de vida e que
o País fique submisso e dependente das decisões internacionais onde o capital
se sobrepõe a valores tão elementares e essenciais ao bem-estar de uma
sociedade, tais como o trabalho, a solidariedade, a entreajuda, a honestidade,
a confiança, a justiça.
Façamos uso de dois instrumentos importantes conquistados em Abril de 1974,
a voz activa e o direito de nos manifestarmos livremente e o regime democrático
com o qual, e em última análise, somos todos nós - o povo - quem decide!
Por todas e mais algumas razões que nos tenham passado, aqui fica o tributo
do BE a todos os que contribuíram e contribuem para que se viva Abril em cada
dia da nossa existência. E que cada um de nós, individualmente, reviva ou viva
Abril e se manifeste, que sobrevivam os direitos constitucionais gerados após
Abril, e que se conquiste a verdadeira liberdade!
Utopia ou Sonho? Talvez para alguns! No nosso entender é perfeitamente alcançável!
Só temos que fazer a escolha certa e pensar. Pensar em todos aqueles que
hipocritamente neste dia fazem elogiosos discursos sobre Abril mas que
diariamente preenchem o seu obituário…
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho
comanda a vida,
que sempre que
um homem sonha
o mundo pula e
avança
como bola
colorida
entre as mãos
de uma criança.
Viva o 25 de Abril de 1974….
Viva Portugal!
Viva Condeixa!