sexta-feira, 25 de abril de 2014

Discurso BE - Comemorações do 25 de Abril, condeixa -a-Nova, 25-04-2014





Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
 (Antonio Gedeão)

Começo por homenagear todos os capitães de Abril assim como todos os homens e mulheres que na surdina lutaram corajosamente e sem temor contra um regime fascista, para que hoje possamos manifestar livremente a nossa opinião. A todos estes que construíram a Democracia e a Liberdade depois de décadas de autoritarismo e de ditadura, que lutaram de forma clandestina contra uma rede policial altamente repressiva (em cada esquina podíamos encontrar um diligente bufo da PIDE, ajudado pelos zelosos legionários e dirigentes da Mocidade Portuguesa) direccionamos um especial agradecimento.
Portugal durante o período ditatorial do Estado Novo era um país governado uma oligarquia nacional opressora do seu povo, governando sob a falácia de que o povo estava condenado ao seu fado, à sua pobreza e ruralidade e em que cada um devia aceitar o seu lugar social como uma espécie de carma divino.
Estranho tempo este em que proliferou uma política colonialista, que afirmava Portugal como "um Estado pluricontinental e multirracial"- e que manteve até ao limite das suas forças, contra todas as indicações internacionais, conduzindo-nos à trágica guerra colonial.
Estranho tempo este, em que o regime seguia uma política nacionalista cuja bitola era a máxima "Estamos orgulhosamente sós".
Vivia-se num contexto em que:
a)      as mulheres eram menosprezadas, entregues à sua condição de esposas e mães, sobre exploradas, submissas à autoridade patriarcal, sujeitas às maiores violências, sem voz própria,  nem autonomia
b)      A repressão era um constante. Todos os opositores do regime eram perseguidos, aprisionados e torturados. Não existia liberdade de expressão e os media eram  ferozmente censurados.
c)       As vagas de emigração eram elevadas, a esperança média de vida não ultrapassava os 65 anos, a taxa mortalidade elevada, o nível de escolaridade era baixíssimo.
d)      Os salários eram de miséria e o acesso ao ensino superior reservado às elites. 
Enfim, eramos um povo pobre, iletrado, triste, agrilhoado, enfadado e sem esperança…
Com Abril o país rejubilou, o povo mobilizou-se por uma causa maior, restituiu-se a liberdade lançou-se a primeira pedra para a construção de um novo caminho… um caminho para a democracia. Acreditou-se que era possível transformar o país, fazê-lo mais justo e solidário, mais próspero e socialmente mais avançado.
O 25 de Abril de 1974, também conhecido como revolução dos cravos, possui um significado que ultrapassa a mera alteração de regime político ou um ponto de viragem no nosso percurso como país, saindo da lógica do orgulhosamente sós. O sentido do 25 de Abril é universal e não pode ser esquecido, nele estão contidos o direito de cidadania, de opinião, de liberdade de expressão. Com Abril, tornou-se possível constituir partidos e associações e realizar eleições livres, terminou a guerra colonial e os cidadãos passaram a ver garantidos os seus direitos económicos, jurídicos e sociais que, actualmente, e para nossa vergonha e indignação, são diariamente dilacerados.
O 25 de Abril, como qualquer revolução, foi um momento. Mas não um momento qualquer, foi um momento em que se reuniram e vieram ao de cima as melhores facetas da Humanidade: o altruísmo, a generosidade, a coragem, a justiça, a cidadania, a fraternidade! O 25 de Abril simboliza a defesa máxima dos ideais de Igualdade e Liberdade, representa a união de um povo que urge revitalizar por forma a não permitir que se apaguem 40 anos de luta e a deixar mais um projecto inacabado…
Não é justo para aqueles que se bateram pela liberdade, tantas vezes arriscando a própria vida, que a geração responsável por manter viva a memória de Abril persista em esquecer que a revolução foi um projecto de futuro e que deve continuar a ser um sonho inspirador e um ideal para as gerações vindouras.
Pese embora as opiniões dissidentes que por vezes branqueiam, distorcem e confundem a História do antes e do depois, o mais importante é relembrar a quem o viveu e ensinar aos jovens, o porquê dos cravos, o porquê da festa, a razão do dia encerrada nele mesmo, nem que seja apenas pelo facto de se poder vir para a rua e dizer o que se pensa. Nunca esqueçamos que qualquer ditadura começa na eliminação do pensamento, começa em nós mesmos quando nos esquecemos que a nossa responsabilidade é lutar por manter os nossos direitos, a nossa voz.
Volvidos 40 anos da revolução nunca, tanto quanto hoje, fez sentido relembrar os ideais de Abril porque num certo sentido este continua por realizar ou tem vindo a ser, deliberadamente, ferido de morte. Depois de Abril temos todos a obrigação de honrar aqueles que por nós lutaram, a obrigação de exercer os nossos direitos de participação cívica e de dizer basta. É preciso reunir e unir as diversas expressões dos movimentos sociais e do movimento sindical,  e voltar a conseguir uma grande mobilização nacional capaz de travar os ataques contínuos às nossas liberdades e direitos conquistados. Temos de nos unir em defesa da Constituição de Abril, contra um Governo de Portugal que apela a um estado de excepção para a suspender, em nome do combate ao défice e de acordos internacionais.
Hoje, a pretexto da crise da dívida soberana, Portugal é refém de uma tirânica plutocracia internacional, que impõe uma verdadeira ditadura financeira, através de empréstimos asfixiantes com juros agiotas, garantindo aos credores rentabilidades especulativas e aos povos uma austeridade desmedida. Estamos a braços com uma crise económica cuja gravidade não tem precedentes, temos problemas sociais que nos envergonham: famílias no desemprego, crianças privadas de condições de vida dignas que tomam a 1ª refeição nas escolas, 2,5 milhões de trabalhadores que ganham o salário mínimo nacional (sendo hoje um dos países da união europeia onde é mais elevada a proporção de trabalhadores pobres), um fluxo migratório comparável ao que aconteceu na década de 60 (em que os jovens não conseguem sair de casa dos pais por falta de meios e são aconselhados pelos governantes para saírem do pais em busca do futuro que aqui lhes é negado), reformas de miséria, a desregulamentação das leis laborais e uma justiça para ricos e outra para pobres, uma politica de clientelismo partidário num jogo escondido de influências, de mordomias obscenas no enriquecimento ilícito, privilégios e isenções entre grandes empresas, a banca, escritórios de advogados e governantes. É esta a triste realidade do nosso país que nos leva a perguntar: o que é feito do espírito e do ideário de Abril? Como o podemos reavivar?
Temos de batalhar, unindo as resistências nacionais, por uma alternativa política que promova  o desenvolvimento do país, que defenda e fortaleça a Constituição e que trave a paranóia obsessiva do défice, que nos tem conduzido a uma política completamente cega de austeridade. Lutemos em nome do desenvolvimento económico e do aumento dos salários, pelo emprego e pela defesa dos serviços públicos, pela justiça social. Lutemos pela democracia e pela nossa soberania. Lutemos conjunta e solidariamente com os outros povos europeus, em especial os que se encontram em situações semelhantes à nossa, por soluções alternativas que coloquem em primeiro lugar o combate ao flagelo do desemprego, promovam políticas de crescimento económico e uma mais justa repartição da riqueza. Lutemos por políticas cujo foco seja o bem-estar das populações e não apenas o enriquecimento de uma ínfima minoria. Chegou a hora de mostrar aos nossos congéneres Europeus e às instituições internacionais como o FMI, OMC e Troika, que temos o nosso orgulho nacional, que somos um povo de palavra. Um povo que honra os seus compromissos na totalidade, mas que esse comprometimento não se pode sobrepor a todo e qualquer compromisso de carácter social assumido com os cidadãos. Jamais permitiremos que a incerteza se torne um modo de vida e que o País fique submisso e dependente das decisões internacionais onde o capital se sobrepõe a valores tão elementares e essenciais ao bem-estar de uma sociedade, tais como o trabalho, a solidariedade, a entreajuda, a honestidade, a confiança, a justiça.
Façamos uso de dois instrumentos importantes conquistados em Abril de 1974, a voz activa e o direito de nos manifestarmos livremente e o regime democrático com o qual, e em última análise, somos  todos nós - o povo - quem decide!
Por todas e mais algumas razões que nos tenham passado, aqui fica o tributo do BE a todos os que contribuíram e contribuem para que se viva Abril em cada dia da nossa existência. E que cada um de nós, individualmente, reviva ou viva Abril e se manifeste, que sobrevivam os direitos constitucionais gerados após Abril, e que se conquiste a verdadeira liberdade!  
Utopia ou Sonho? Talvez para alguns! No nosso entender é perfeitamente alcançável! Só temos que fazer a escolha certa e pensar. Pensar em todos aqueles que hipocritamente neste dia fazem elogiosos discursos sobre Abril mas que diariamente preenchem o seu obituário…  
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

Viva o 25 de Abril de 1974….
Viva Portugal!
Viva Condeixa!