quinta-feira, 27 de abril de 2017

Intervenção BE - Comemorações 25 de Abril de 2017



Eu vi Abril por fora e Abril por dentro
vi o Abril que foi e Abril de agora
eu vi Abril em festa e Abril lamento
Abril como quem ri como quem chora.
Eu vi chorar Abril e Abril partir
vi o Abril de sim e Abril de não
Abril que já não é Abril por vir
e como tudo o mais contradição.
(Manuel Alegre)

Ao contrário de Manuel Alegre, eu não vi “esse abril” por dentro! Para a minha geração, celebrar abril pressupõe a invocação da memória histórica coletiva de um povo mas também o respeito e consideração pela memória individual de cada um, e de cada uma, dos que viveram “os dias mais felizes das suas vidas”: um tempo de festa, de audácia, de alegria, de entusiasmo sem limites, um tempo ativo e diligente, em que a política estava em todo e qualquer lugar; um tempo de decidir e de fazer, de combater e partilhar, de vencer rotinas e atrasos, porque mais do que de “conquista do poder”, era de conquista de felicidade que se tratava.

Como acontecimento global que mudou determinada estrutura social, subvertendo valores, crenças, comportamentos e modelos políticos, culturais ou éticos, a revolução, sendo história, foi muito mais do que isso. A revolução de Abril foi a soma das várias revoluções, tantas quantos a viveram, mais ou menos intensamente, com visões e conceitos distintos, é certo, mas com o mesmo sentimento de Liberdade.

Saúdo com máxima estima e consideração, o corajoso levantamento militar conduzido pelos Capitães naquela madrugada tão esperada, em 25 de Abril de 1974, que abriu portas para um país novo, um país mais livre, mais justo e mais fraterno. Portugal Democrático.

Saúdo com respeito e admiração, os homens e as mulheres do meu país, o povo português, que tendo percecionado o ímpeto dessa força militar, coadjuvou os capitães de abril, juntando-se a estes na luta por um estado de direito democrático, no qual vigoraria o primado da soberania popular.

A todos quero expressar a minha gratidão e asseguro que tudo farei para manter vivo e para fazer cumprir o ideário de abril, essa herança tão valiosa que nos deixaram! Esse sonho inspirador, esse projeto inacabado, esse abril já feito e ainda por fazer!

O 25 de abril é um marco histórico! Representa uma transformação revolucionária, a alteração de regime político e um ponto de viragem histórica no nosso percurso como país, traduzida numa profunda transformação da economia e da sociedade portuguesa.

Abril tornou possível libertar os presos políticos, assegurar o regresso dos exilados, restabelecer direitos fundamentais da pessoa humana como a livre expressão do pensamento e opinião, a liberdade de imprensa, a livre criação de associações e partidos políticos, a organização de eleições livres, a descolonização e a independência das colónias, a elaboração de uma nova Constituição da República Portuguesa (que viria a ser promulgada, na sua versão inicial, em abril de 1976) que inscreveria os valores democráticos basilares: a IGUALDADE, LIBERDADE e FRATERNIDADE.
 Gradualmente, o povo português foi conquistando um conjunto de direitos económicos e sociais como o salário mínimo, contratação coletiva, subsídios de férias e de Natal, segurança social, saúde, educação. Registaram-se profundas alterações em diversas matérias: participação no poder central, regional e local, independência dos tribunais, autonomia administrativa do Poder Local, liberdades fundamentais, avanço no papel da mulher na sociedade portuguesa, em abertura externa, em qualidade de vida.

Mas nem tudo são cravos neste processo! Se os benefícios foram incomensuráveis, os custos também foram de elevada monta.

A história do Portugal democrático é feita de avanços e recuos, de conquistas e derrotas, que legitimam as queixas, as frustrações e a indignação que também eu tenho partilhado convosco, ano após ano, nestas comemorações.

O ano passado falei-vos da constituição dos "donos disto tudo", da sobreposição da lógica financeira aos princípios da dignidade humana, do Capitalismo clientelista e de compadrio, da ditadura dos mercados, da vassalagem aos banqueiros, da existência de uma justiça para ricos e outra para pobres, da política de clientelismo, influências e mordomias obscenas, do enriquecimento ilícito, do descrédito dos políticos, da consolidação de uma elite medíocre cujo modus operandi é a cultura da cunha e do amiguismo, da aceleração da fraude e da corrupção.
Fiz um breve retrato de um país que conheceu, em pouco mais de 40 anos de democracia, diversas crises económicas e problemas sociais que nos envergonham: famílias no desemprego, alastramento da pobreza e das desigualdades, crianças privadas de condições de vida dignas, altos níveis de emigração, reformas de miséria e o aumento da idade da reforma, ataque sem precedentes à segurança social, desregulamentação das leis laborais, ataque aos serviços públicos essenciais para a qualidade de vida das populações.
Falei-vos de um país que tem a sua soberania ameaçada pelos ditames de uma Europa decrépita, de um país onde predominava um sentimento generalizado de insegurança, incerteza e de desorientação.
Mas hoje, nesta sessão comemorativa do 43º aniversário de abril, quero falar-vos do país da esperança, do país do futuro, do país mais consentâneo com o 25 de abril de 1974! Quero falar-vos de um país e de um povo que acredita na força viva da democracia, um país cuja solução governativa atual, conjuga forças divergentes ideologicamente mas que convergem no essencial: a crença na possibilidade de edificação de uma sociedade de paz e harmonia, uma sociedade capaz de dotar a totalidade dos seus cidadãos de Saúde, educação, justiça, igualdade de oportunidades, direitos e deveres.

Caros concidadãos

Sabemos todos que são muitos, e em diversas escalas geográficas (desde o mundial ao local), os desafios que se apresentam a este Portugal de futuro.

Numa lógica internacional somos hoje confrontados com a especulação e falta de transparência financeira mundiais, a emergência e proliferação de movimentos xenófobos, racistas e misóginos (cujas ideias ressoam na voz de políticos populistas), a escalada do terrorismo que acentua o medo, promove a intolerância religiosa e conduz ao fechamento das fronteiras.

Numa lógica Europeia, temos a pretensa Europa solidária das nações rendida ao capitalismo selvagem e focada unicamente nos mercados, - um espaço de predação económica aberta. A passar por uma profunda crise do projeto fundador, a europa pauta a sua atuação pela ausência ou morosidade de respostas aos diversos problemas que se lhe apresentam: vaga dos refugiados, aprofundamento das desigualdades das economias do euro, intolerância entre povos expressa em discursos moralistas sobre a disciplina dos do norte e a preguiça dos do sul. Uma Europa que sucumbe aos interesses económicos instrumentalizando a vida humana como uma mera ferramenta e, de pouca importância, quando comparada a siglas ou expressões como o PIB, Dívida Soberana, BCE, Sistema Monetário Mundial ou o próprio EURO. Reflitamos se faz sentido permanecer nesta Europa! Faz sentido permanecer na União Europeia e, muito particularmente, no Euro quando estes são uma fonte permanente de obstáculos à construção de uma economia e uma sociedade mais solidárias?

Ao nível nacional é de sublinhar o esforço para ensaiar alternativas à austeridade e às políticas da Troika sempre em permanente conflito com os poderes europeus e, pese embora, os resultados positivos alcançados já alcançados (uma razoável retoma económica, cerca de 100.000 empregos criados, aumento do salário mínimo, o défice mais abaixo da história do país, diminuição da sobretaxa), a política de estímulos é ainda insuficiente para resolver os problemas causados pela crise económica e social recente. Há pois que colocar redobrado empenho no bom funcionamento da “ geringonça” para que ela cumpra, apesar de todas as dificuldades, os seus propósitos: defesa do Estado Social de Direito, aposta na educação pública, ciência e inovação, defesa do serviço nacional de saúde, combate às desigualdades e à pobreza, combate á precaridade laboral, devolução de rendimentos, mais e melhor democracia e sobreposição do poder político ao poder económico. Condição sine qua non para alcançar esses propósitos: crescimento económico e criação de emprego.

Ao nível local os principais desafios são:
a) Reforço da autonomia local e do princípio da subsidiariedade (que grosso modo significa que “o exercício das responsabilidades públicas deve incumbir, de preferência, às autoridades mais próximas dos cidadãos, tendo em conta a natureza das tarefas a desempenhar e as exigências de eficácia e economia” conforme prescreve a Carta Europeia da Autonomia Local).
b) Descentralização administrativa de competências.
c) Articulação das políticas locais com as políticas inter-regionais, nacionais e europeias de modo a garantir a coesão territorial e o desenvolvimento sustentável.
d) Aprofundar a democracia através do reforço da cidadania. Orçamentos realmente participativos em todas as autarquias, maior responsabilização e comprometimento dos cidadãos, debates públicos, mecanismos de fiscalização mais apurados são importantes para a realização da democracia e do reforço da participação cívica.

Ao nível pessoal, cumpre a cada um e cada uma de nós, combater o indiferentismo e o desinteresse e exercer uma cidadania ativa em qualquer uma das suas vertentes: voluntariado, participação política, ativismo social.

Minhas senhoras e meus senhores,

Perante os constrangimentos listados, perante as situações de contexto, impõe-se a questão: Serão o ideário e o projeto de Abril uma utopia? Talvez sejam. Mas como diria Eduardo Galeano “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”

No que ao BE diz respeito, enquanto tivermos forças para lutar, seguiremos em frente, na procura dos caminhos da solidariedade e do desenvolvimento humano que pretendemos para o nosso país e para a nossa terra, sempre na busca de uma sociedade mais justa e igualitária.

No concelho de Condeixa caminharemos no sentido da qualificação e acréscimo de democracia, empenhar-nos-emos em fazer de Condeixa um concelho em que se vive a plena liberdade (aqui entendida como paz, pão, saúde, habitação e educação), um concelho que respeite a democracia plena e a pluralidade, um concelho em os que cidadãos não temem perseguições ou ostracização em razão da sua apologia partidária ou ausência dela. Lutaremos para que se exorcizem definitivamente os demónios da ditadura que teimam em reaparecer, com especial incidência, em anos de eleições.

E termino como comecei, com Manuel Alegre!

Vi o Abril que ganha e Abril que perde
Abril que foi Abril e o que não foi
eu vi Abril de ser e de não ser.
Abril de Abril vestido (Abril tão verde)
Abril de Abril despido (Abril que dói)
Abril já feito. E ainda por fazer.

Viva o 25 de Abril,
Viva Portugal!
Viva Condeixa!


Gisela Martins

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